Quando eu ainda tinha mãozinhas gordas e bracinhos fofos, me lembro de levar até a minha mãe meu cobertor favorito. Ela chorava na cama uma desilusão amorosa. Lembro que ela sempre chorava quando eu lhe pedia pra ter um pai. Ela chorava quando estávamos sozinhos em casa. Percebi que era algo forte demais pra pedir. Ter um pai. Eu queria ter um pai que me pegasse no colo na saída do colégio. Que me ensinasse a fazer uma pipa. Que passasse a mão na minha cabeça, como via o pai dos meus amigos fazer. Que me assistisse em apresentações escolares. Eu queria ter um pai porque todo mundo tinha pai menos eu. Porque eu queria ser normal.
É algo injusto de se pedir pra uma mãe. Percebo só agora. Ela se esforçou pra manter relacionamentos nos quais sofria, pra me dar um pai. Aguentou traições. Finalmente, convenceu um namorado a me registrar no cartório. Era pra ser meu pai. Mas nunca tive pai. Nunca dormi abraçado com um pai. Nunca ouvi “eu te amo” de um pai. Essas coisas que os pais fazem com os filhos. Nunca tive um pai me trazendo remédio pra tosse. Aprendi a andar de bicicleta depois de velho, com um amigo. Aprendi a dirigir com 20 anos. Nunca torci para um time de futebol, realmente. Essas coisas que os pais fazem com os filhos.
Cresci inseguro. Como todo inseguro, agressivo. Tinha problema com autoridade, especialmente masculina. Desafiava professores na faculdade. Desrespeitei chefes nos meus primeiros empregos. Sentia a necessidade de agredir os outros com comentários malvados, com piadas pesadas. Acho que me transformei em uma pessoa desagradável. Tive a sorte de conhecer uma mulher especial, de me reconectar com a minha mãe, de ter duas filhas que me ajudaram a ser quem eu posso ser. Não precisava mais agredir ninguém. Me dedicar a elas me curava todos os dias.
Não faz muito tempo, ouvi uma história linda de um pai. Quando o filho de sete anos brincava de skate, caiu, ralou o joelho e começou a gritar de dor e susto. Naquele momento, o homem me contou que se lembrou dele mesmo, quando criança, ralando o joelho e ouvindo do pai: “Não chora! Homem não chora! Engole o choro!”. Com seu próprio filho, ele resolveu fazer diferente. Abraçou a criança e disse: “Pode chorar, filho. Eu sei que dói. Papai está aqui”. E enquanto a criança parava de chorar, o pai chorava, emocionadamente. Lembrando do seu próprio pai. Imaginando seu próprio pai fazendo diferente. Ele estava curando seu trauma. Ele estava abraçando ele mesmo, quando era criança.
Quando durmo abraçado com minhas filhas estou dormindo comigo mesmo, quando eu era criança. Estou sendo o pai que eu não tive. Estou sendo meu próprio pai. Estou sendo alguém que minha mãe sempre quis pra ela. Alguém que sempre quis pra mim mesmo.
Enfim, conseguimos, mãe.
Texto de Marcos Piangers, 2017.
Fonte: Revista Donna
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